25 de setembro de 2008

Quando eu era pequena, com choro comprido e dois dentes na frente, eu disse a minha mãe: angu dadá australopitecus. Com olhos não ouvidos repeti: angu dadá australopitecus e dessa vez mais forte, angu dadá australopitecos! Como por uma emergência, ela veio de encontro a mim. Facilitei, levantando do berço toda toda, feliz da vida por ter uma mãe poliglota que entendia minhas construções verbais mais criativas. Ela, com cara de quem entendeu quase tudo, levantou meu bumbum pra lua e me passou uma conclusiva camada de hipoglós.
- Mãe, em nenhum momento eu lhe disse hipoglós, eu disse com todas as letras an-gu da-dá aus-tra-lo-pi-te-cus. Qual parte do angu tu quer que eu desenhe? Quanto mais eu buscava ser entendida, mais meu bumbum cheirava a peixe e mais minha mãe boiava.
Quando eu era média, com rebeldia bicuda e todos os dentes de osso eu tentei novamente, fui bem em frente dela e lhe disse: mil bobagens. De maneira incrível, eu consegui lhe dizer mais bobagens do que angu dadá australopitecus. Eu lhe disse mil, mil, a mesma quantidade de gols do Pelé, mil bobagens. Mas dessa vez, ela não veio de encontro a mim. Também, eu não facilitei, passava dias costurando arame farpado entre minha boca e a dela. De madrugada, enquanto os arames dormiam, seu carinho saía do quarto, atravessava as farpas com perseverança e me beijava o rosto.
- Mãe, veja bem, em nenhum momento eu lhe disse essa coisa cafona de perseverança e beijo no rosto. Eu lhe disse com todos os números, mil, um dois dez cem mil, mil bobagens e gostaria de saber qual das bobagem tu não entendeu?
Quanto mais eu buscava não ser entendida, menos ela me entendia e mais sua perseverança me beijava.
Quando eu sou hoje, com um e sessenta de altura e um coração de sala, eu tento mais uma vez e por mais quantas sejam necessárias. Chego perto e digo a ela: obrigada pelo leite, mãe.