25 de fevereiro de 2009

"A paixão é tal e qual um remédio tarja-preta.
E dizer isso não é desmerecer a paixão, nem tentar fazê-la parecer menos saudável e necessária. Mas é verdade que paixão vicia. Vicia tanto que ninguém sabe o que fazer quando, de repente, percebe que a cartela está vazia porque o miraculoso e costumeiro comprimidinho acabou no dia anterior.
É exatamente como um tarja-preta: doses individualizadas, porque há quem não tolere altos teores da substância assim, de supetão, circulando pelo organismo; diferentes formas de apresentação pois, enquanto algumas pessoas são capazes de engolir cápsulas e drágeas numa boa, outras precisam beber soluções, xaropes e emulsões, gota a gota ou de colherinha, e existe quem só funcione com a droga lançada sem delongas na corrente sanguínea, direto na veia. E os efeitos colaterais, ah, os inevitáveis efeitos colaterais: boca seca, sudorese profusa, tremores, visão turva, perda de apetite, rubores, vertigens, palpitações, fala embotada, insônia, episódios febris, delírios. Sintomas às vezes incômodos, fora de hora, de um descabimento homérico e transtornante, sem falar no perigo iminente da dependência – mas o remédio é dos bons, deixa a gente mais leve e disposta, vale a pena correr os riscos.
A paixão é, ao mesmo tempo, antidepressiva e ansiolítica, e os efeitos são imediatos. A pele fica mais viçosa, a circulação mais eficiente, o humor menos lábil, a libido mais aguçada, o raciocínio mais rápido, a gente agradece aos céus o bendito “doutorzinho” – ou “inha” – que acertou em cheio no tratamento, e não abre mão da abençoada prescrição por nada nesse mundo. Mas a “paixonina” é ainda mais psicotrópica que a mais potente das anfetaminas: circula livremente pelo organismo e estabelece circuitos de reentrada nos sistemas nervoso e cardiovascular sem sofrer a ação de nenhum mecanismo inibitório, e não há sistema de depuração enzimática que seja capaz de clivar as suas moléculas. É fácil se intoxicar de paixão. Difícil é distinguir com precisão o limite entre o terapêutico e o patológico. Não há antídoto contra a paixonina. O único expurgo cabível é o tempo, mestre na arte de eliminar os excessos e ressacas de paixões tumultuadas e inadvertidamente exacerbadas. É sentar, segurar a cabeça – e o coração – entre as mãos e esperar passar.
E passa. Mas há que se reconhecer a dependência e, sobretudo, há que se ter vontade e disciplina para lutar contra ela, pois as recaídas são freqüentes, massacrantes e terrivelmente… apaixonadas. É um longo e penoso caminho até que o dependente se torne definitivamente capaz de dizer “estou limpo”. Só por hoje, ao menos por hoje, ainda hoje limpo. A paixão se parece deveras com um remédio tarja-preta. É bom, é ótimo ter paixão circulante no sangue – em níveis séricos aceitáveis pelo Ministério da Saúde Sentimental. A gente tem que sorvê-la em doses quase homeopáticas, mas sempre bate aquele frisson de tomar o frasco todo pra curtir o barato lisérgico das paixões cavalares. Overdoses de paixão são tão fascinantes quanto constantes - talvez pelo medo de seguir à risca as recomendações e sentir, como resultado único, apenas uma coceirinha morna e desmilingüida no meio do peito. E aí a gente continua embarcando nessa viagem, sem moderação, sem preocupação. Até terminar o frasco e descobrir, num pasmo atônito, que o efeito passou e a receita se perdeu."


- só porque quando perco o tarja preta, abuso de antilágrimas x)

24 de fevereiro de 2009

Já encontrei o homem da minha vida. O problema é que eu não sou a pequena da vida dele. E isso é tão, mas tão óbvio que eu nem tento convencê-lo do contrário.
=)

23 de fevereiro de 2009

...inclusive amor

Mamãe saiu e deixou-me 3 pedaços de pizza e uma lista incontável de necessidades...

"Venha me pegar, pequeno bandido, porque eu já cansei de esperar do outro lado do muro, que você venha roubar a tranquilidade pagã das minhas manhãs calmas. Meu espirito e toda a minha lucidez me obrigam a pensar em ti como naqueles filmes estrangeiros que só passam depois das 11, reprisados na madrugada frívola de carnaval. Venha me buscar, porque a noite vem contrária. Porque meu corpo e o teu olhar de malfeitor seduzem as unhas pintadas de vermelho. Levam-me direto para as tuas costas, direto para você. E se ainda é cedo para respirar ou ameaçar falta de educação, que o tempo acabe no último minuto. Que não reste nada além de horas que já se esgotaram. Venha agora. Venha também para aquecer a extremidade física do meu querer determinado, que tanto esteve machucado, que tanto buscou ser algo além de puro e preciso sentimento incontrolável. Venha me pegar, me botar no lugar onde tua loucura é a racionalidade dos que possuem frio. Porque o valor, o peso e a densidade dos cortes nas minhas pernas, proporciam a temperatura capaz de te manter em pé. E porque não somos aliados às inconstâncias vagarosas que só caem quando o tempo é bom. E ainda costumam dizer que nos apressamos para mergulhar em mares fundos, quando as pedras estão na margem. E se é o perigo que te faz me ouvir, se é o risco que liberta meu tormento não mais atormentado, destruo uma por uma as razões para ficarmos onde estamos.
Venha me pegar, desdobrar, me revirar. Porque não existem porquês possíveis de serem respondidos. É apenas o teu corpo e o meu na palma da mão do mundo. E, mesmo assim, alucinados e vagabundos, estamos em extinção."

18 de fevereiro de 2009

"Eu não sei de onde saiu você, nem em que momento eu comecei a criar em você a figura de alguém que pode me completar. Alguém tão simples, que vive falando um monte de besteiras e é feliz assim! E nada mais importa.

Não nego, você tem me tirado o sono, o sossêgo, o apetite. Você é uma faísca que sai de mim, meu melhor verso, meu refrão, minha insônia sossegada, meu rímel borrado, o cheiro do meu suor, minha pele arrepiada, minha constante embriaguez...

Verborragias e clichês à parte, eu não consigo esconder o que sinto, apesar de não gostar do que é tão óbvio, depois de um tempo, de declarações implícitas e carícias escondidas, você me desconcertou e te amo descaradamente."

11 de fevereiro de 2009

Desculpe, foi engano

-Alô?!
-Oi. Quem fala?
-Quer falar com quem?
-Quem é?
-Olha, você me ligou. Quer falar com quem?
-Com você.
-E quem é você?
-Não vale a pena dizer. Só queria falar com alguém. Com você.
-Ok, já falou. Até mais.
-Não desl...
O telefone voltou a tocar, olhei: novamente, número não identificado. Não atendi. Precisava terminar de escrever. A chuva forte despencando do lado de fora era um convite tentador ao ócio; o telefone, se esgoelando sem parar, ajudava a tirar o pouco de concentração que me restava. Depois da enésima ligação atendi, contrariadíssima, e não disse nada. Esperei. Ele falava em voz baixa e, dessa vez, parecia meio constrangido pela insistência.
-Desculpa. Você não me conhece, eu não te conheço. Disquei ao acaso, você atendeu. Preciso falar com você, por favor, não desliga. Vou me matar daqui a pouco e preciso conversar com alguém.
Ótimo. Um lunático na minha linha no meio da madrugada. Na melhor das hipóteses, um desocupado. Passada a surpresa do primeiro instante e cumprido o inevitável caminho susto-perplexidade-indignação-só-me-faltava-essa, respondi com meu habitual respeito pelas duas condições:
-Você bebeu?
-Pareço bêbado?
-Ok. Você cheirou? Sem ofensas.
Ele riu.
-Você é sempre assim?
-Assim?
-Assim meio sarcástica. Sem ofensas.
-Ah, não, não. Só quando desconhecidos com idéias suicidas me telefonam no meio da noite. Sabe como é, instinto.
-Você parece ser legal.
-Você fala demais para quem vai se matar.
-Quantos suicidas conhece? Quero dizer, conheceu?
-Nenhum.
-Como pode saber se falam muito ou se falam pouco?
-Como posso saber se vai mesmo se matar ou se é um esquizofrênico a fim de "suicidar" o próprio tédio e a minha noite também?
Silêncio. Do lado de fora, só chuva. Silêncio e chuva, ambos caudalosos. Quase desliguei, ele tornou a falar.
-O que é a vida para você?
-O que é a morte para você?
-Perguntei primeiro.
-Tanta coisa. Nascer, crescer, reproduzir, passando por todos os intermediários. Talvez
-Dá para ser mais clara?
-Comer, beber, beijar, brigar, ter dor de barriga, arrumar um emprego, pagar contas. Cair da goiabeira e ficar com uma cicatriz no joelho, sexo por amor, sexo sem prazer, fazer dieta, sabotar a dieta, tomar uma cerveja gelada num dia quente, tanta coisa, tanto faz, eu não sei. Não me interessa o que é a vida para mim. Interessa o que é a vida para você. É você quem vai se matar.
-Não quero. Vou.
-Ok, é você quem vai se matar.
-Isso.
Silêncio. Para mim ainda parecia trote mas, de repente, começou a me incomodar mesmo a possibilidade de que aquele sujeito fosse realmente se suicidar. Não sei se o incomodo era saldo da proximidade da vida ou da morte dele; o fato é que de repente aquilo ficou muito desconfortável, principalmente porque eu não fazia idéia de quem era o fulano que me escolhera como ouvinte das suas – até prova em contrário- ultimas palavras. Ele parecia tão próximo. Talvez estivesse esperando que eu dissesse “não faça isso” ou coisa parecida, ou algum tipo de discurso sobre como a vida é bela e a morte é negra, mas o insólito da situação tirara de orbita minha capacidade de raciocínio lógico. Ainda assim, foi minha vez de quebrar o gelo.
-E afinal, vai se matar por quê?
-Pensei que não fosse perguntar
-Não ia. Perguntei porque acabou o assunto.
-E por que não desligou?
-Prefere que eu desligue?
-Você é estranha.
-Você ainda não viu nada.
-Não vejo sentido em continuar vivendo.
-Hã?
-Não vejo sentido em continuar vivendo.
-Isso é clichê. Não acredito que vai se matar por um clichê.
-A vida é um clichê.
-Não acredito que vai se matar por um clichê.
-No que você acredita?
-Agora? Acredito que você deve estar doidão.
-Não me mataria se estivesse doidão. Poderia me arrepender depois.
-É, poderia.
-Sua voz é bonita. Você deve ser bonita. Já pensou em se matar?
-A bola da vez é a sua morte, não a minha.
-Pensou, não pensou?
-Sei lá, todo mundo pensa nisso uma vez na vida.
-Por que não se matou?
-Porque não queria morrer de verdade. E acho que você também não quer. Quem quer -morrer não fica de conversa fiada ao telefone.
-Uma contradição.
-Quê?
-A vida. É uma contradição. A gente nunca sabe mesmo quando esta vido e quando já esta morto.
-Não prefere falar de amenidade? Sei lá, filmes. Batman. Você viu o Batman?
-Não gosta de falar disso, não é?
-Estou tentando te distrair. Sei lá, pra você ter uma pré-morte mais legal. Alías, como pretende, desculpe, como vai se matar?
-Você vai saber. Leia nos jornais amanhã.
-Por que me ligou, afinal?
-Precisava falar com alguém. Fico feliz que tenha sido você. Se não fosse me matar, te convidaria para um cinema, ou para uma cerveja. Enfim, fica para a próxima. Vou nessa, se cuide. Obrigado pela conversa.
Ele desligou. Só ele. Eu fiquei subitamente atônita, com o telefone na mão. Não podia retornar a ligação, não podia nada a não ser esperar. Esperar. Esperar. Esperar. A madrugada passou lenta, se arrastando, eu rolando na cama, com o telefone na mão. Sempre com o telefone na mão. No dia seguinte devorei os noticiários e jornais em busca de algum sinal: nada. Uma semana mais tarde encontraram o corpo de um homem boiando no rio, sem marcas de violência ou qualquer outro indicativo de homicídio – segundo as informações, provavelmente o homem se suicidada. Não me contive: chorei. Depois disso a vida quase voltou ao normal. Quase, pois eu não conseguia esquecer o telefonema nem me convencer de que, mesmo que quisesse, eu não poderia ter impedido – cada pessoa segue seu próprio destino: o meu era atender a um telefonema, o dele terminara naquele leito de rio. “Você parece legal”, eu me sentia péssima, de qualquer jeito.
Voltei a escrever e tentei esquecer o episódio, embora volta e meia ele me voltasse a memória. E, numa noite em que as nuvens anunciavam uma chuva tão torrencial quanto a da noite em que ele telefonara, ouvi o toque insistente da campainha. “Algum chato”, pensei, enquanto me encaminhava para a porta e espiava através do olho mágico. Não havia ninguém. Entreabri a porta com cuidado e olhei através da pequena fresta: nada, a não ser um pequeno envelope pardo depositado sobre o batente da porta. Apanhei-o e me tranquei em casa novamente e, ainda de pé junto a entrada, rasguei uma das bordas, verifiquei o conteúdo e senti o coração bater de alivio e de felicidade – como tinha me encontrado? Não importava: eram duas entradas para o cinema, a última sessão daquela noite. E um bilhete: “desculpe, foi engano.”

Acordes

"Tu, tão longe, tão longe. E há um violão desafinado, aqui.
Arrisco um acorde, ouço meu coração que bate meio rock, meio bossa, meio qualquer coisa assim sem jeito, meio sem saber o que fazer com as mãos - e minhas mãos tanspiram, suam frias, escorregam macias e sem pressa entre tantos tuns e tás e blens e blins, quase toco teu rosto com esses meus dedos úmidos desajeitados. Há um beijo tímido na ponta do meu indicador, leva contigo; é teu, e todos os outos que por descuido ficaram por aqui, nos dedos, nos lábios ou na intenção. Arrisco um acorde, blins e blens, as cordas riscam na minha pele as notas do teu nome; eu me deito sobre esse leito de sons, acorde-me para os teus sonhos. As notas que vibram nesse espaço vêm do meu desejo pelo teu ritmo, abre os braços, sentes? É a minha respiração repousada na tua, suave, feito canção que espera para nascer. Dedos úmidos desajeitados, meus, escorrego macia entre os teus tantos; vem. Tuns e tás, blens e blins, meio-rock-meio-bossa, coração, eu assim meio sem jeito - descompassada, ora aguda ora grave, ora certa ora inversa, blins e blens, ouves? "

9 de fevereiro de 2009

E nem adianta me olhar assim, meu bem, com esses olhos cansados, tentando forjar uma alegria quase inexistente. Não preciso de suas meias palavras, suas meias histórias que não me fazem desatinar. Porque eu gosto é do inteiro.
Não é que eu seja diferente de ninguém, eu só não quero ser como você, que vende os sonhos em troca de sossego. Mas sei lá, talvez funcione pra você.