"Eu ouço a última frase fechar silenciosa a porta e caminhar sozinha rua abaixo, ainda meio atordoada por se saber inútil. Não tive coragem de dizê-la. A mim, parece ser meu coração pulsando na ponta da língua que evito pronunciar, prefiro deixar meu coração em segredo. E, das coisas todas que eu disse até aqui, nenhuma me revela tanto quanto essa omissão, que então me torna uma incógnita como o tal raio que não cai duas vezes no mesmo lugar e veja só, ele cai. Mas a frase, essa se foi sem beijo nem insistência, se foi apática e vagarosa, quase autômata, eu era uma sua desconhecida e era impossível nos reconhecermos, nós que alguns poucos momentos antes ainda nos pertencíamos. Ela não cabia, não cabe, na minha voz - a minha voz tampouco cabe no seu sentido, eu não me encaixo mais porque se dissipou de mim a tal da idéia, e o fez com uma velocidade inesperada como esse vento quente que sopra do lado de fora e corta ao meio a rigidez do inverno. Da última vez que lhe escrevi fazia um vento assim, não sei se você se recorda - e as palavras se balançavam alvoroçadas nos meus cílios fingindo-se de borboletas, que as palavras criam asas, sim, e frágeis nascem e frágeis morrem, e inocentes se atiram em vôos cegos, as minhas, cílios pesados de verbo eu sempre tive. Olhos verborrágicos. Meio por insolência, meio por descuido. Mas não é disso que falo hoje, eu hoje não falo nada. Eu hoje chão, calçada, jardim, almoço, varal, música, fé, ponta de pé, corpo de bailarina assim no espaço solto, palavra deixo ir que não me pertence. Não essa. Ou aquela; não aquela. E já não é coragem que me falta, é coragem que cultivo. Prefiro deixar meu coração em segredo."